O Governo Federal lançou nesta quarta-feira, 12 de fevereiro, o Pena Justa — Plano Nacional para Enfrentamento do Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras. O documento foi elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e reúne uma série de medidas para combater e reverter violações de direitos humanos nos presídios brasileiros.
O plano foi homologado em dezembro de 2024 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e deve guiar a atuação de todas as Unidades Federativas nos próximos anos. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, destacou que o plano representa um avanço em uma luta histórica da humanidade. De acordo com ele, a cultura punitivista ainda está profundamente enraizada na sociedade brasileira e são necessárias medidas firmes e eficazes para transformar essa realidade. “Esta que estamos colocando em prática hoje é uma dessas medidas”, afirmou.
Lewandowski também enfatizou que o plano foi amplamente debatido com diversos setores da sociedade e do Poder Público, reforçando sua importância como um primeiro passo em uma longa jornada. Ele destacou a necessidade de o Estado retomar o controle sobre os presídios, atualmente dominados por facções criminosas, e se fazer presente nesses territórios, para enfraquecer o crime organizado. “Não se trata de conceder regalias indevidas, mas de resgatar a dignidade de pessoas que estão sob a custódia do Estado”, disse.
ACOLHIMENTO — A cerimônia de lançamento do Pena Justa ocorreu no STF, em Brasília (DF). O presidente da Suprema Corte, Luís Roberto Barroso, ressaltou a existência de mais de 70 facções nas prisões brasileiras. “Se as pessoas que entram nos presídios não forem acolhidas pelo Estado, são acolhidas pelas facções. O sistema penitenciário vive um fator de alimentação das organizações criminosas, e nós temos que evitar isso, controlando o sistema penitenciário.”
Barroso reforçou, ainda, a necessidade de preparar os detentos para o retorno à sociedade. “As pessoas que entram no sistema penitenciário voltam à sociedade. Temos que cuidar para que voltem melhores do que entraram e não mais danosas para a sociedade.”
ACORDOS — Na ocasião, foram formalizados acordos voltados à implementação e ao acompanhamento do Pena Justa pelo MJSP, o STF, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério dos Transportes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a Infra S.A. e o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
EMPREGO E RENDA — Foi lançado também o Emprega 347, uma iniciativa do programa Pena Justa voltada para garantir oportunidades de trabalho a detentos. O projeto resulta da parceria entre o CNJ, o MJSP e o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, com o objetivo de impulsionar ações de empreendedorismo, gerar trabalho e renda, além de promover a qualificação profissional e a inclusão social de pessoas privadas de liberdade, egressas do sistema prisional e seus familiares.
Durante a solenidade houve ainda a apresentação de um selo comemorativo, desenvolvido em parceria com os Correios.
COMPROMETIMENTO — O procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, destacou que o Pena Justa representa a materialização do princípio do respeito à dignidade humana. “O plano vai além de soluções imediatistas, orientando a construção de uma política penal mais eficaz, equitativa e comprometida com a reconstrução do papel do Estado na persecução penal”, disse.
Segundo Gonet, o enfrentamento do superencarceramento, da privação excessiva da liberdade e das desigualdades dentro do sistema prisional exige comprometimento. “Este ato reúne personagens dispostos e aptos a enfrentar esses desafios e a buscar uma solução justa.”
PODERES INTEGRADOS — O plano tem como objetivo assegurar que as mudanças implementadas sejam duradouras e que não haja retrocessos. A versão final do documento, aprovada pela Casa Civil, contém 51 ações mitigadoras e 306 metas a serem alcançadas até 2027, além de mais de 140 medidas desenvolvidas em colaboração entre os Poderes Executivo e Judiciário.
Essas medidas estão organizadas em quatro áreas principais: controle da entrada e das vagas prisionais para combater a superlotação; melhoria da infraestrutura e dos serviços; processos de saída e reintegração social; e garantia da continuidade das transformações.
O plano Pena Justa, coordenado pelo MJSP, em colaboração com o CNJ, cria um sistema de monitoramento com 363 indicadores que envolve estados, Distrito Federal, União, Judiciário e sociedade civil. O CNJ ficará responsável por enviar relatórios mensais ao STF para informar sobre o progresso do cumprimento dos indicadores definidos.
Os estados e o Distrito Federal terão um papel fundamental na implementação do Pena Justa. Eles deverão elaborar e apresentar ao STF seus próprios planos locais, alinhados às diretrizes do documento nacional, dentro do prazo de seis meses. Além disso, precisam criar e fortalecer seus Comitês de Políticas Penais. Para garantir transparência e participação social, também será criado um painel público on-line para o acompanhamento dos avanços e resultados das ações.
O plano foi elaborado com a colaboração entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, com o apoio de 59 instituições. Ao longo do processo, a sociedade civil também contribuiu significativamente, com a participação de 6 mil pessoas por meio de consultas e audiências públicas.
RAÇA — O Pena Justa adota uma abordagem criteriosa para enfrentar o encarceramento desproporcional da população negra e parda, que atualmente representa 67% das cerca de 663 mil pessoas presas no país, considerando os regimes fechado e semiaberto.
Além da questão racial, o plano também reconhece as especificidades de outros grupos em situação de maior vulnerabilidade, incluindo mulheres, mães, migrantes, indígenas e pessoas com transtornos mentais, garantindo que suas necessidades sejam contempladas nas ações propostas.
O diagnóstico para construir o Pena Justa revelou que um sistema penitenciário operando à margem da Constituição não apenas compromete a dignidade das mais de 1,5 milhão de pessoas que cumprem pena dentro e fora dos presídios, mas também impacta negativamente familiares, agentes penais, seguranças, prestadores de serviço e gestores penitenciários.
Um dos aspectos centrais do plano é a continuidade e o aprimoramento de políticas já existentes, a fim de evitar a fragmentação de iniciativas. Um exemplo é a Política Nacional de Trabalho no Sistema Prisional, que será integrada a um planejamento estruturado, para garantir maior efetividade e compromisso com a execução.
Foto: Jamile Ferraris/ MJSP